"Sereias": cinco episódios que podiam ser três

Mais uma voltinha no carrossel do streaming. Mais uma manhã passada a olhar para o boneco. Mais uma tarde a esmiuçar 5 episódios de ficção, cujo orçamento ultrapassa o somatório de todas as temporadas dos Morangos com Açúcar. Incluindo as mais recentes, com melhores câmaras, bonita iluminação, mas sem um pinguinho de originalidade que seja. Não me estou a queixar, atenção. É um sonho de menina, isto de ser paga para ver televisão, a minha atividade preferida desde que me lembro de ser gente. Portanto, é ser grata e aproveitar enquanto dura. Até porque, como alguém escreveu na caixa de comentários do meu relambório anterior, eu não tardo a ir parar à sopa dos pobres. Felizmente, adoro sopa. Posto isto, Julianne Moore.
Sempre quis ser ruiva. Acho que a primeira vez que me dei conta disso foi graças a um livro infantil, com uma pequena com longas tranças laranja na capa, cujo título não me lembro. Depois, veio a Ana dos Cabelos Ruivos, que deu com a ardósia na cabeça do bully (slay!) E me encantou. Mas quem fechou o negócio foi mesmo a voluptuosa Jessica de Quem tramou Roger Rabbit?, película que vi e revi até à iminência de gastar a fita do VHS. Desde esse dia, o meu modelo pessoal tornou-se um desenho animado que representava uma cantora de cabaret que traía o marido, um coelho. Tinha que acabar nisto, não é? Resta saber o que é que isto tem a ver com Sereias, a recém estreada mini-série da Netflix cuja sinopse reza assim: “Preocupada com a relação demasiado intensa da irmã com a chefe multimilionária, uma mulher expedita procura respostas numa luxuosa propriedade à beira-mar”. Eles não me ganharam na sinopse, até porque faz um uso estranho do adjetivo expedito. Foi com a Julianne Moore, atriz extraordinaire, que me apanharam. E a verdade nua e crua é que aquilo que me encantou nela, à primeira vista, foram os tão invejados cabelos ruivos.
[o trailer de “Sereias”:]
E que Sereias são estas, pergunta o respeitável público? Se querem sinceridade, acabei agora de ver e não tenho bem a certeza, mas pode ser que vá percebendo enquanto falo convosco. Sereias é a palavra de código entre Devon (Meghann Fahy) e Simone (Milly Alcock) a irmã mais nova, para avisarem que estão em perigo. Duas irmãs que não podiam ser mais diferentes ou viver vidas mais distintas. Simone, a mais nova, parece um macaron de bandelete, rodeada por pantones açucarados e padrões florais. Devon parece que acabou de sair de um concerto onde houve moche, stage diving e whisky martelado: Dr. Martens, eye liner esborratado e permanente cara de ressaca. Simone é assistente pessoal da milionária Michaela, a.k.a. Kiki, que vive numa mansão à beira-mar plantada, que inclui um santuário de aves de rapina e um batalhão de criadagem destratada com passivo-agressividade. Já Devon trabalha num restaurante de fast food (com um nome para o qual não tenho maturidade) “Falafel balls”, cujo dono é Ray, um fuck buddy casado. Vive com um pai alcoólico, diagnosticado com demência precoce. Depois de receber um arranjo comestível (se não estavam a par do conceito, estão como eu) da irmã Simone como reação ao diagnóstico do pai, passa-se dos cornos e decide ir dizê-lo na cara perfeitamente hidratada e sem poros obstruídos da mais nova.
Quando Devon chega à paradisíaca e ostentatória ilha com o seu ar de, como diriam os brasileiros, “xôxa, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente”, Simone fica com uma expressão de terror do género “como assim 58 deputados?”. Devon encaixa naquele ambiente como calças bege na festa do Avante e isso ainda é mais gritante tendo em conta o timing. A ação passa-se num fim-de-semana prolongado em que Michaela Keller vai receber os mais ricos dos ricos, dar uma entrevista à Vanity Fair e finalizar com uma gala de angariação de fundos para a sua ONG animal. Nada disto se coaduna com o barraco que a irmã mais velha se prepara para dar, alegando que cuidar do pai sozinha e ter algo remotamente parecido com uma vida não combina.
observador